Ethale Publishing

27 de maio de 2022

A falta de livros de literatura africana no mercado nacional, onde predominam obras de autores de língua portuguesa, levou dois jovens apaixonados pelas letras e envolvidos na organização de um festival de cinema e literatura no distrito de Mossuril e no Museu da Ilha de Moçambique, na província de Nampula, a criar uma editora e agência criativa que promove o uso de narrativas africanas para a transformação social.

Trata-se de Jessemusse Cacinda e Alex Mackbeth, fundadores da Ethale Publishing, uma editora cujo trabalho ultrapassa fronteiras físicas e humanas, na medida em que aproxima pessoas e culturas através da escrita, tradução literária, edição de livros, programas de rádio, eventos culturais e educacionais e realização de projectos que valorizam a autoria e a criatividade.

“No âmbito do festival, introduzimos um fórum literário, em que convidávamos escritores para falarem sobre as suas obras, estórias e criações. A ideia de criar a Ethale Publishing surgiu em 2016, quando promovemos um concurso literário nacional para homenagear Henning Mankell, considerado expoente máximo da ficção policial nórdica, que viveu e trabalhou em Moçambique”, explica Jessemusse Cacinda, co-fundador.

O concurso tinha como objectivo colher estórias policiais e sobre criminalidade em Moçambique. A ideia era, no fim, premiar os 10 finalistas com livros de autores africanos que representassem maior número de países possível, assim como publicar antologias que resultassem do mesmo.

Entretanto, prossegue, “verificamos que, no mercado, não havia livros africanos para além dos editados em língua portuguesa. Obras da África do Sul, Quénia, Nigéria, Senegal, entre outros países, não estavam disponíveis em português”.

Constatada esta lacuna, decidiram abrir uma editora para explorar o “vazio” existente, publicando os seus próprios livros, tendo em conta que já estavam no movimento literário, assim como traduzindo diversas obras africanas que não existem em português pois acreditam que, dessa forma, podem colocar povos e culturas a dialogar para além da língua.

Inserção no mercado

Jessemusse Cacinda considera bem-sucedida a inserção da Ethale Publishing no espaço literário moçambicano e atribui as dificuldades enfrentadas à dinâmica do mercado. “A questão da leitura é um problema não só de Moçambique, mas sim global. Os índices de leitura caíram, mas também o conhecimento nunca esteve no centro da transformação de toda a economia como está hoje. Estamos diante de um dilema, em que a sociedade ainda não compreendeu o potencial dos livros e o valor da leitura e do conhecimento”.

Para o co-fundador da Ethale Publishing, este cenário pode ser assumido como uma oportunidade pois o produto que a editora vende (os livros) é de topo para o tipo de economia em que vivemos. “Saímos de uma economia transformativa para uma economia de serviços, na qual conta mais o conhecimento. As empresas vendem conhecimento. Então, se vendemos livros, o nosso produto é importante para todas as empresas”.

Há que elevar os índices de leitura

Numa altura em que diversas esferas da sociedade têm lamentado o facto de o País apresentar baixos índices de leitura, a concepção e a implementação de iniciativas sociais ligadas à literatura pode ser uma solução para reverter este quadro. E é o que a Ethale Publishing tem estado a fazer.

“É por via disso que desenvolvemos o projecto Minha História Minha Comunidade, e várias outras que incidem sobre escolas, levando livros para os alunos, organizando sessões de promoção da leitura com os alunos, ou convidando-os a fazerem parte de oficinas e explorando a sua criatividade”, diz.

Ainda sobre este aspecto, Jessemusse Cacinda entende que as multinacionais que actuam no País deviam, no âmbito das suas acções de responsabilidade social, olhar para outras áreas, como é o caso da literatura.

“Temos estado a notar projectos pouco criativos pois o que as multinacionais fazem é construir uma estrada, oferecer um hospital, que são coisas que o Estado também faz. Como editora, achamos que as empresas podiam apostar em ideias ou projectos que incidam sobre a área da educação, mas sem ser através da oferta de uma escola. As actividades de responsabilidade social devem deixar algum legado, investindo no conhecimento. Felizmente, quando as empresas recebem estas ideias aceitam imediatamente, porque se trata de algo fora do comum”, realça.

Investimento para o futuro

Recentemente, a Ethale Publishing promoveu um concurso de leitura, denominado “Ler nas Férias”, que tinha em vista a promoção da leitura no seio dos alunos durante as férias. Foram recebidas 50 candidaturas de todas as províncias, das quais foram seleccionados 10 finalistas e premiados três vencedores, que receberam livros e um valor monetário simbólico.

Para a Ethale Publishing, trata-se de um investimento para o futuro porque, ao promover este tipo de iniciativa, contribui-se para a criação de novos leitores. “Por um lado, ganhamos porque estamos a formar um novo mercado para o futuro, e, por outro, a sociedade ganha porque estes (novos) leitores serão cidadãos com mais conhecimento, que vão usá-lo para tudo em todos os âmbitos da vida”.

 

Actividades (de destaque) promovidas

ü  Lançamento de clássicos africanos de literatura, com destaque para Wole Soyinka, prémio Nobel da literatura, e Ngugi wa Thiong’o, um dos escritores que mais influenciou o antigo presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama

ü  Lançamento de novas vozes da literatura moçambicana, com destaque para Mélio Tinga e Albert Dalela

ü  Lançamento do aplicativo de distribuição digital de livros Ethale Books

ü  Desenvolvimento e criação da página do Wikipédia em Emakhuwa, empoderando cerca de 100 jovens autores do Norte de Moçambique